sexta-feira, 29 de maio de 2009

E agora José?



E agora, José?
A festa acabou, 
a luz acabou,
o povo sumiu, 
a noite esfriou,
e agora José?
e agora você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?

Está sem mulher,
está sem discurso, 
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio, 
o bonde não veio, 
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou, 
e agora, José?

E agora, José?
sua doce palavra,
seu instante de febre, 
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência, 
seu ódio-e agora?

Com a chave na mão,
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?

Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro, José.

Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?


Carlos Drummond de Andrade

2 comentários:

Nádia disse...

continuo dizendo: o mais foda de todos *-*

Nádia disse...

ps: adorei o novo layout *-*