domingo, 5 de abril de 2009

As 4 Estações

Outono
por Silvia Lontra
Fui contratada por um casal para defender um garoto acusado de três homicídios, o caso foi de repercussão nacional e a mídia pintava o pior quadro possível do garoto. Não queria defendê-lo mas, depois de falar com ele, percebi que tinha algo de verdadeiro em sua voz. Acreditei nele e o defendi em julgamento, seis semanas depois de cometer o crime. Ele não pôde ficar em liberdade antes do julgamento, mas ficou em uma cela separada dos outros presos.

Meu cliente, Lucas Gallinari, entrava em uma casa antiga no subúrbio da Campinas, interior de São Paulo. A casa antiga e bem conservada estava vazia, aparentemente sem ninguém. Os únicos sons que se ouviam vinham da rua, se limitavam a algum carro que porventura passasse. Este rapaz de dezoito anos estava ali para um encontro com um amigo, com o qual esclareceria uma longa briga que havia desestruturado o círculo de amizades de que os dois participavam: era como uma irmandade, na qual um sempre apoiava o outro. Meu cliente culpava seu amigo por esta desestruturação e seu amigo, Lucas Couto, fazia o mesmo.
A briga começou quando Lucas Couto ficou sabendo de boatos que envolviam o seu nome e o de sua família, supostamente vindos de uma fonte próxima, seu amigo e meu cliente... Lucas Gallinari. Mas nunca foi provado que ele realmente o fizera, então pararam de se falar. Couto ficou mais próximo dos amigos que acreditavam em sua versão e Gallinari fez o mesmo. Quando tudo estava mais calmo, eles marcaram um encontro para acabar com essa briga e com essa questão que separava a todos.
As semelhanças entre os dois não se limitava apenas ao nome, os dois também eram muito inteligentes e passionais para a idade deles. Eles só queriam que tudo voltasse ao normal.
O ponto de encontro foi escolhido pelo meu cliente: a casa pertencera aos seus pais e ele periodicamente usava-a para os encontros com amigos, que tinham uma cópia da chave.
Quando entrou na casa, chamou para ver se alguém respondia.
Meu cliente pressentia que algo ali estava errado, deu alguns passos pelo escuro corredor para alcançar o interruptor mas acabou chutando algo pesado e metálico. Ao acender a luz viu que era uma arma. Ele sempre teve vontade de pegar uma arma e empunhá-la como em um filme de ação - mas que adolescente nunca quis ? Lucas pegou a arma, por alguns segundos ele se divertiu, até olhar ao primeiro quarto à direita.
Lucas Couto estava lá jogado no chão, havia uma poça de sangue em sua volta. Levara quatro tiros no peito. Meu cliente largou a arma imediatamente, sabia que estava destruindo uma prova e que, por isso, podia ser suspeito do crime. Lucas Gallinari não sabia o que fazer, ficou algum tempo sem reação, afinal, nunca tinha visto um cadáver antes, ele sentiu náuseas, olhando apavorado para o corpo de Lucas Couto. Um amigo. Não era uma briga qualquer que faria um jovem estudado, com bom senso, que nunca teve antecedentes criminais ou acessos de fúria, um garoto normal, matar um amigo dessa maneira. Como ia matar uma pessoa em que confiava e com a qual conviveu?
Toda pessoa no mundo sente medo. Até a pessoa mais corajosa existente tem medo de alguma coisa. Lucas Gallinari, um jovem, não seria diferente. Sentiu medo das sirenes policias que iam ao seu encontro. Ele tinha medo de ser acusado de um crime que não cometeu.
Os vizinhos haviam chamado a polícia, por causa dos disparos feitos antes da chegada do meu cliente.
Desesperado, ele resolveu sair dali o mais rápido possível para não ser pego mas, ao chegar na frente da casa, várias armas apontavam para ele.
Meu cliente foi algemado e enquanto era encaminhado para um camburão da polícia, dois policiais entravam na casa, que logo depois explodiu.
Lucas Gallinari foi arremessado ao chão e várias outras pessoas, entre elas policiais e curiosos, também se feriram.
Em seguida, meu cliente foi encaminhado a uma delegacia.
As vezes, ao acordarmos, percebemos que aquele não é nosso dia, é um dia em que tudo de errado pode acontecer. Era um dia desses para meu cliente: a morte de dois policiais tinha lhe deixado pior do já estava e, sendo os pais da vítima advogados, sentia que precisava contar sua versão para não passar o resto da vida em uma penitenciária de segurança máxima. Mas ele não foi ouvido, o casal sofria pela morte do filho.
Meu cliente é inocente, senhoras e senhores, mas agora cabe a vocês, do Júri, decidir o destino deste garoto.

Infelizmente minha defesa não foi o suficiente para provar a inocência de meu cliente, na qual eu tinha plena crença, por causa da falta de provas. Havia apenas provas para sua condenação, que infelizmente foi de quarenta e dois anos, por sorte. Ele é um bom garoto, eu só tenho que arrumar provas de que ele é inocente.
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Inverno
por Lucas Gallinari
Não consegui ficar em liberdade até o dia do julgamento, durante este período fiquei em uma penitenciária da região, onde morava em uma cela separada dos outros presos. Entre assassinos, estupradores e traficantes sentia medo e ficava o tempo todo em um canto da cela encolhido.
Lá fora ninguém acreditava em minha inocência, a mídia ajudara a pintar um péssimo retrato do mim.
O crime foi de repercussão nacional e no dia do julgamento fui vaiado e levemente ferido pela multidão que me esperava na frente do tribunal.
Isso não podia ter acontecido, era horrível.
Meu rosto enfeitava a maior parte dos jornais e revistas desde o dia do crime.
E mesmo com a boa advogada que minha mãe conseguiu pagar, não me livrei da pena.
- Senhor Lucas Felipe Gallinari, o senhor foi acusado – O juiz fez uma pequena pausa para ler as condenações - de Homicídio Doloso triplamente qualificado, Destruição de Propriedade Pública e Privada, e foi condenado pelo júri a quarenta e dois anos de detenção em regime fechado.
Fiquei apavorado.
Quem pode ter feito isso? Quem pode ter matado o Couto?
O povo comemorou nas ruas, todos afirmando que o sistema funcionava, que a justiça tinha sido feita, que um criminoso iria pagar pelos seus crimes. A mídia espalhava a noticia pelo mundo mostrando-se levemente a favor da condenação, não conseguindo ficar imparcial ao fato, e eu sabia que o mundo todo, naquele momento, me odiava e que mesmo que recorresse do resultado, o máximo que conseguiria seria a um pequena redução na pena.
Ao sair do tribunal já sabia qual seria minha morada pelos próximos quarenta e dois anos.
A penitenciaria era hostil, meus primeiros segundos jogados naquele antro foram horríveis, estava assustado, encolhido de medo, meus olhos estavam embotados de lágrimas e primeiro veio uma grande surra, uma grande surra, que me deixou com um braço quebrado e vários hematomas. Do contrário do que se pensa, não foram os presos que me bateram, mas os polícias, por ter matado dois de seus iguais, eu não os matara, nem sei por que a casa explodiu. No julgamento foi encontrado dinamite, e vários botijões de gás, isso causara a explosão.
Logo após ser engessado e cuidado muito mal de meus ferimentos fui colocado entre os presos, assassinos e estupradores, e um lugar com vários homens presos sem ter uma mulher culminou no meu primeiro estupro. Ferido e estuprado. Essa foi a primeira vez, mas se repetiram dezessete dias, estupros atrás de estupros. Minha vida estava acabada, já devia ter pego AIDS pelo menos doze vezes. Eu já não tinha mais auto-estima.
Alguns me respeitavam por carregar a morte de dois policiais no currículo, e fui isso que fez-se cessar a violência em mim, as poucos fui ganhando terreno no presídio, e outros presos cuidavam de mim.
Os anos se passaram, alguns colegas partiram e voltaram, outros apenas partiram mais ficaria ali por muito tempo, quatro anos se passara da morte de Lucas Couto e eu não esquecia de procurar os culpados, eu não tinha tempo, estava preso, e minha única esperança lá fora era Silvia Lontra, minha advogada, que havia sido assassinada alguns meses antes. Meus melhores amigos, Henrique e Leonardo não acreditavam em mim, e não tinha notícias deles.
Silvia foi encontrada morta no estacionamento de seu escritório com dois tiros na cabeça e um no peito, foi um latrocínio, e quem cometera o roubo seguido de assassinato foi um companheiro de cadeia, Jorge, ele foi um daqueles que me protegera quando cheguei na prisão, conversamos muito e diria que até viramos amigos, ele era quinze anos mais velho que eu e no dávamos super bem, ele disse que poderia fazer qualquer favor por mim, e vi nele, uma grande amizade. Ele ficou fora da cadeia por apenas seis meses, ele era um cachorro louco, não pensa, faz as coisas por impulso, não tinha mais família, então para ele nada importava, pelo menos na prisão tinha um teto e comida. E uma coia me admirava nele, sua capacidade de guardar segredos, ele nem falava em quem tinha votado nas eleições, pois, o voto era secreto.
No quinto ano meu preso, foi feita uma grande rebelião no horário de visitas, vários carcereiros e visitantes estavam sendo reféns, por sorte ninguém tinha ido me visitar naquele dia.
Estava com medo do que poderia acontecer naquele domingo de maio, então Jorge veio até mim.
- Me siga - ele disse.
E me levou até uma cela, nesta cela tinha um buraco e um túnel que levava para uma casa nas redondezas da penitenciária, a rebelião era apenas uma distração para a fuga, mas muitos dos presos não sabiam do túnel, pois alguém tinha que ficar, para continuar a rebelião.
O túnel era abafado, e muitas pessoas corriam por ele, sua estrutura parecia que podia desabar a qualquer instante, mas em pouco tempo estava numa casa, me despedindo dos colegas e logo após caminhando livre pelas ruas. Eu iria provar a minha inocência.
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Primavera
por Henrique Correa Lopes

O passado era algo distante para mim, aquele crime me fez ver quem eram meus verdadeiros amigos e Lucas Gallinari, não era um deles. Pelo menos foi o que eu achei.
Naquela tarde, estava indo tomar uma cerveja, era solteiro, e nada me impedia. Era uma sexta feira, e costumava a ir no mesmo bar desde de que tinha dezessete anos. Mas antes de chegar um mendigo me abordou.
- Eu preciso de sua ajuda – ele disse, dei uma moedas para ele mas ele continuou a falar – Não matei ninguém, você como meu melhor amigo devia me apoiar, mas você me ignorou e nunca quis ouvir a minha versão da história. Eu preciso da sua ajuda.
Na hora tomei um choque, era Lucas Gallinari, li nos jornais que ele tinha fugido da prisão a cerca de um ano atrás, e a presença de um fugitivo ali me dava medo, eu estava com medo dele, logo dele com quem passei grande parte de minha vida.
Nós nos conhecemos aos quatro anos, e sempre fomos muito próximos, ele era meu melhor amigo, crescemos juntos, um sempre enfiado na casa do outro, compartilhávamos segredos e era muito bom. Eu não sei porque não fiquei ao seu lado quando ele precisava de mim, logo ele que me ajudava em tudo.
Achei que ele ia me matar, estava com rancor por tê-lo abandonado, mas ele só queria me contar o que aconteceu realmente. Ele nunca foi de mentir, eu o ouvi pacientemente, depois vi meu grande erro. Nós choramos, nos abraçamos, nos desculpamos por tudo o que havia ocorrido no passado e decidimos fazer um novo futuro.
Ele estava sujo, barbado, fedido, mas não tinha lugar aonde ir, fomos ao meu apartamento, onde morava sozinho graças ao meu maravilhoso emprego, onde ele tomou um banho, tirou a barba e vestiu roupas novas e limpas.
Ao voltar completamente renovado de quando entrara no banheiro, então ele começou a me mostrar as provas de sua inocência. Lucas tirou algumas fotos de sua mochila velha, que eu queria colocar no lixo, nas fotos provas irremediáveis que Lucas Couto estava vivo e bem sucedido.
- Onde conseguiu isso - perguntei.
- Buenos Aires, ele se casou com aquela amiga milionária dele, e está trabalhando como um dos presidentes da firma do sogro. Você sabe que ele era gay e se casou com a amiga, que é lésbica, para manterem as aparências com os pais. Sabe que ele tinha um fascínio incomum em você, que ele te amava loucamente – ele fez uma pausa e continuou em seguida – você não acha coincidência demais, uma subsidiaria da firma que Couto trabalha, te empregar e te dar sucessivas promoções? - eu tinha lhe falado do meu emprego no caminho para casa, e tudo que ele dizia fazia sentido.
De repente me senti sem chão, de certa forma, eu também estava fazendo parte de um plano do Lucas Couto, que tudo indicava que era apenas para foder a vida do Gallinari.
Na aparência física eram diferentes, Lucas Gallinari é alto com cabelos longos, negros e desgarrados com um porte físico mais forte enquanto Lucas Couto era alto, tinha cabelos curtos, claros e magro. Mas psicologicamente eles eram parecidos, por isso que houve um desentendimento entre ambos.
No dia seguinte avisamos um outro amigo nosso, Guilherme, esse ao contrário de mim, sempre acreditou em Lucas Gallinari e ficou muito feliz ao saber que ele estava livre e tinha provas, contra o outro.
- Por que você apenas não envia essas fotos como prova? Ai você será uma pessoa livre – sugeriu Guilherme.
- Ele jogou sujo comigo para acabar com a minha vida, e na Argentina ele não será preso, quero trazê-lo ao Brasil e provar minha inocência. – respondeu Lucas.
- E se não ele? E se for apenas alguém parecido? – falei
- É ele, tenho certeza.
Fomos a Argentina Lucas e eu, Guilherme ficou no Brasil e não podia faltar ao trabalho, como eu era privilegiado por alguém da alta hierarquia da empresa, Lucas Couto, tirei alguns dias de folga, mas sem pedir.
Gallinari tinha razão, era ele, e estava junto de sua amiga, da qual agora era marido. O escritório matriz, ficava no centro de Buenos Aires, era um grande prédio com mais de quarenta andares de vidro espelhado. Agora nos tínhamos que entrar lá, e conseguir uma confissão e trazer o bandido de volta ao Brasil para pagar sua divida a justiça.
Rondamos sua vida durante dias e descobrimos que agora era conhecido por Felipe Tavares.
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Verão
por Lucas Couto

Eu estava em minha cobertura, quando soube de uma fatalidade, minha esposa, havia sido assassinada durante a um assalto na periferia de Buenos Aires, a minha esposa era minha melhor amiga, compartilhávamos um segredo: a homossexualidade, então nos casamos para manter as aparências, ela tinha uma namorada fixa mas eu não, tinha alguns rolos, mas nada muito sério, tive que me separar de meu único amor a alguns anos atrás, me arrependo de ter me distanciado tanto dele, para ele estou morto, mas não me arrependo de ter acabado com a vida de Lucas Gallinari.
Lucas não gostava de mim, nunca gostou mas fingiu isso muito bem, ele se aproximou de mim e conseguiu arrancar grandes informações de minha vida pessoal para usá-las contra mim, ele é perigoso, um psicopata, eu fiz um bem a humanidade colocando aquele monstro de lado. Ele ainda não tinha feito nada de imoral ou cometido algum crime entre a sociedade, mas ele ainda ia fazer, eu fiz justiça preventiva, e não o deixei cometer nenhum crime.
Ele me expôs, ele contou os meus segredos e o pior de tudo falou a verdade que eu me recusava a aceitar. Todos os anos de tratamento psicológico não foram suficientes para eu agüentar tudo o que ele me fez. Meus remédios controlados, nada ajudou, e ele tinha razão, tinha provas, de que ninguém gostava de mim, eu surtei. Ele não fez nada grave, mas quis me vingar, eu tinha que acabar com ele, tinha.
Helena, minha esposa, havia levado três tiros no rosto, não levaram o carro, mas levaram jóias e dinheiro, passei algumas semanas sem ir me trabalhar, relaxei na Venezuela, onde sempre costumávamos ir, gostávamos de lá.
O meu fim estava próximo, mas eu não sabia disso, Lucas e Henrique estavam fazendo uma emboscada. Cheguei no escritório e um novo auxiliar de limpeza estava no meu escritório limpando.
- Pode sair, depois você termina de limpar, se não terminou até agora nota-se sua incompetência – falei.
- Perdoe-me senhor, mas eu esperava a sua chegada – reconheci aquela voz no ato, o homem olhou para minha direção era Lucas Gallinari – Oi Lucas, ou devo dizer Felipe.
Em seguida passou pela porta mais uma figura conhecida.
- Bom dia, eu sou o diretor da filial do Brasil – era Henrique.
Os dois me olhavam, entrei em desespero, o que eles iam fazer?
- Vocês não podem fazer nada contra mim. Não cometi nenhum crime aqui. Henrique o verdadeiro criminoso aqui é o seu amiguinho ai.
- Eu? Não foi a sua advogada que foi assassinada quando chegava perto da verdade, não fui eu que planejei um golpe do meu próprio assassinato para mandar outro para a cadeia, você é doente.
Na minha gaveta tinha uma arma, eu ia usá-la apenas para assustá-los e me deixarem em paz, mas ao tirar da gaveta Henrique me abordou, ambos tentando ter controle da arma, vários tiros foram disparados a esmo, um acertou o ombro de Lucas alguns quebram a janela panorâmica do meu escritório, e em uma tentativa desesperada de me fazer soltar a arma, Henrique deu-me um empurrão. Perdi o equilíbrio. Cai quarenta e dois andares até encontrar o chão.
Henrique se virou para Lucas que estava ferido no chão, ele tinha medo, matara uma pessoa. Eles esperaram a ambulância, os policiais e contaram toda a verdade deles, do jeitinho deles. Eu nunca mandei matar ninguém, eu nem sabia eu a advogada estava morta, será que minha esposa fez parte de um plano deles? Eu não acredito, mas se for nunca descobri, acho que foi apenas uma coincidência, pois eles poderiam entrar no meu escritório com ela viva, e o efeito seria o mesmo.
Eles conseguiram, venceram.
Dois dias depois Henrique foi visitar Lucas no hospital, trazia flores e chocolate, um sempre gostou muito de paparicar o outro, mas Lucas já tinha partido, sumira sem deixar rastros. Ele fez justiça. Ele teve sua vingança. E ele conseguiu fazer o que ia fazer naquele dia, em que uma casa explodido.



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