sábado, 28 de fevereiro de 2009

As freiras cegas de Cali

Eram dez da manhã quando a equipe de televisão brasileira chegou em Cali para uma reportagem de um convento que ficava aos pés da Cordilheira Central dos Andes, o convento era esquecido no meio do mato, e o convento de San Francisco, o único de conhecimento da igreja naquela região também não confirmava a existência do convento de San Joaquim.
A equipe de reportagem era formada por uma repórter, Camila, de cabelos rebeldes até o ombro, óculos redondos e muito bom humor, seu namorado, Mário, que era o câmera, Rebeca, a responsável pela sonoplastia e iluminação, e Hans, o diretor.
Iriam ficar no Convento de San Joaquim por quatro dias, no primeiro iriam se instalar, no segundo e terceiro fariam as gravações, no quarto dia iriam embora, depois
- Espero mesmo que haja um convento lá, ninguém tem conhecimento dessa budega! – falou Rebeca levemente estressada, era muito magra e parecia que poderia se quebrar com o menor safanão e tinha traços orientais, os que ficavam mais evidentes eram seus olhos e cabelos.
- Existe! Já até fui lá, é um lugar agradável, o problema é que a maioria das freiras são cegas. – Avisou Hans, um legitimo descendente alemão, de olhos azuis, cabelos louros bem claros e mais de dois metros de altura.
Todos no carro ficaram receados com a notícia chocante, mas não havia abalado-os.
Três horas depois, já almoçados e descansados da viagem a equipe de televisão estava ao pé da cordilheira esperando o guia, que chegou de Jipe.
- Sígueme, podemos seguir un poco más de unidad.
Subiram por mais quinze minutos, a estrada era íngreme e esburacada. Rebeca tirava fotos da mata que lhes cercavam, havia muitos sagüis naquele trecho, depois de andar mais alguns poucos quilômetros havia uma vila, onde o guia, Pablo, parou e conversar com o diretor Hans.
- Ele disse que teremos que percorrer um caminho a pé, e perguntou se queríamos parar para contratar duas ou três pessoas para nos ajudar a carregar os equipamentos, ele levará no carro dele. – Hans comunicou a todos
- Parece bom, já que temos equipamentos pesados. – respondeu Camila.
Hans voltou a falar com Pablo que em seguida saiu gritando instruções ao vilarejo em castelhano.
- Pablo conhece o povoado, falou que escolherá os melhores para nós.
O resto da viagem até o convento foi bem sossegada, ao saírem do carro para caminharem mais um quilometro a pé, Camila fez uma introdução da matéria antes da jornada a pé. Mário foi filmando o caminho a pedido de Hans, e Pablo falava de algumas curiosidades das redondezas, com a voz muito bem captada por um ponto que Rebeca tinha colocado em todos.

A altiva arquitetura do convento impressionou seus visitantes, os muros tinham seis metros de altura e havia esculpido em toda sua extensão: rosas de cinco pontas e Jesus crucificado, mantinha as cores do cimento, cinza, e musgos desciam pelas paredes. Um portão de ferro vedado era a única entrada ou saída do convento, conforme explicado pelo guia.
Um grave barulho de ferro se deu e em seguida abriu-se o portão com uma freira cega recebendo-os, vestida com um hábito preto e branco.
- Son bienvenidos – convidou a equipe de televisão a entrar, a freira sem olhos e com um sorriso alegre.
A entrada se dava para um largo terreno, onde havia caminhos com pedra para passagem, o restante era terra. No fim dos domínios do convento havia pessegueiros carregados de frutos. O que mais chamava atenção naquele pequeno pomar era que os pêssegos eram brancos, albinos.


- Por favor, sintam-se a vontade – falou uma freira em português com leve sotaque espanhol, a freira tinha boca pequena aparentava ter uns cinqüenta e cinco anos, mas havia poucas rugas em seu rosto, usava óculos de sol redondos, que provavelmente também era cega. – Sou a madre superiora deste convento, me sigam, levarei vocês aos seus aposentos.
- Hermana, me trajeron hasta aquí, pero ponerse en marcha, Hans vuelvo para sacarlos tres días en la mañana. Buenas tardes.
- Buenas – respondeu a irmã. – Eu sou a irmã Joanna, espero que não se incomodem mas tenho algumas regras aqui. Rapazes e moças terão que dormir em quartos separados, os rapazes lá no porão e as moças junto das outras irmãs. Depois das nove todos dormindo, acordamos as cinco e meia da manhã e nos recolhemos as seis da tarde, se acostumem a isso. Não é permitido o uso de celulares aqui dentro, pois o demônio pode se manifestar, então que por favor os desliguem.
Houve uma pausa enquanto a madre superiora levava a equipe para seus devidos aposentos
- Por favor, que pêssegos são aqueles na entrada? Nunca vi pêssegos iguais aqueles. – perguntou Camila entusiasmada.
- São pêssegos albinos, os mais doces do mundo só crescem nas terras do convento, as outras irmãs os consideram santos. Se quiser pode levar um pequeno pé, mas ainda não conheço ninguém que conseguiu criá-los.
Quando chegou as seis da tarde as freiras se recolheram, jantaram, oraram e tiveram um tempo livre onde conversavam, liam a bíblia em braile ou tricotavam, algumas já iam direto para seus aposentos.
Uma freira que estava do lado de Camila fez-lhe uma pergunta:
- Você sabe por que todas as freiras são cegas? – A freira era uma legítima brasileira.
- Não, por que? – questionou Camila.
- São os votos das trevas, quando nossos pecados são muito grandes, temos que fazer algum sacrifício pelo nosso senhor, então dedicamos nossas vidas as trevas, para ganharmos um pedaço do céu. Todas nós cometemos pecados mortais, mas obviamente as únicas pessoas que sabem nossos pecados são nós mesmas, a madre superiora e o padre á quem nos confessamos.
- Qual foi os eu pecado irmã?
A freira deu um sorriso amarelo desfocado de Camila e se levantou.
- Já é hora de nos recolhermos – avisou a todos.
E as freiras seguiram, umas com ajuda bengalas, outras tateando a parede pois já estavam a muitos anos no convento.
- Melhor não deixarmos nada espalhado pelo caminho por aqui – falou Mário.
Houve algumas risadas abafadas que foram cortadas por uma voz.
- La desgracia de otros, podría estar con ustedes. – disse uma das freiras.

Ao amanhecer toda da equipe se reunirão às seis da manhã para o café da manhã, mas Hans não se juntou a equipe.
- Onde está o Hans? Dormindo ainda? Ele que falou para acordarmos cedo. Eu vou procurar ele. – falou Rebeca a mesa.
- Não é necessário querida – falou a madre superiora – Hans disse que o Clóvis viria supervisionar o trabalho de vocês, e foi buscá-lo em Cali.
- Aquele gordo desgraçado, sempre querendo se enfiar em tudo só por que é sócio da emissora. – esbravejou Camila.
A madre superiora pigarreou e depois do silêncio constrangedor, fizeram a oração e apreciaram o café da manhã, onde havia muitas receitas contendo os pêssegos albinos, além da própria fruta in natura.
A manhã foi repleta de gravações, mostrando principalmente as dependências do convento para cegas, as adequações necessárias e a bíblia em braile, e de como era o cotidiano sem ter uma pessoa que enxergasse. Outro grande momento de gravação foi como era cultivado os pêssegos albinos, que as freiras não comentaram sua técnica, nem de onde conseguiram as mudas, disseram que já havia um pé ao se mudarem para aquele convento. As cinco da tarde Camila não pode se conter e perguntou?
- Por que todas as freiras são cegas? Há alguma relação o voto das trevas? O que seria realmente esse voto das trevas?
A pergunta foi feita diretamente a madre superiora, que por um instante não respondeu, como se pensasse no que responder.
- Esse é um erro comum das pessoas que ficam sabendo do nosso convento, na realidade o convento acolhe as freiras que ficaram cegas durante seu celibato, por ser um local próprio, a imaginação das pessoas corre solta. – e sorriu para a repórter.
Nesse exato momento a freira que deu essa informação a Camila entrava de volta no convento sendo seguida por mais duas freiras.
Quando deram seis horas as freiras lacraram o portão de ferro da entrada.
- Ei espera. E Hans? Ele pode chegar ainda. – rugiu Rebeca.
- Se ele não veio até agora não virá mais, o guia não vem de noite, os traficantes usam as rotas da cordilheira para o tráfico de drogas. Hans vai ser orientado a esperar na cidade. – disse a freira brasileira que havia lhe contado sobre o voto das trevas, mas agora ela estava diferente, estava fria. Algo acontecera a ela.
Camila, Rebeca e Mário ficaram juntando o material usado, enquanto as freiras entravam nas dependências do convento para o jantar, a equipe levou os equipamentos ao deposito onde as freiras haviam cedido, e depois foram ao salão principal para o jantar. Ao chegar estava vazio, nenhuma freira, nenhum prato de comida, estava tudo limpo como se as freiras não tivessem ido àquele lugar naquela noite.
A noite caia e não havia luminosidade, essa noite não haviam acendido nenhuma vela, como se esquecessem que tinham convidados que enxergavam.
- Pega a câmera Mário, use a lanterna dela para iluminar isso aqui. Rebeca fica perto de mim. Vamos subir aos aposentos das freiras para saber se elas estão dormindo já, elas não podem ter sumido assim.
Ao chegarem no corredor dos dormitórios Rebeca e Camila chamavam pelas freiras, abriam as portas mas todos os quartos pareciam estar vazios, a luz do luar lá fora não iluminava o interior dos aposentos. Ouviram passos na escada e as duas ficaram atentas, mas era Mário com a câmera.
- Ilumine os quartos por favor – pediu Rebeca
Os quartos estavam todos vazios, mas o último no final do corredor havia uma pessoa deitada e coberta. Foram se aproximando devagar da cama, e seus corações bateram mais rápido quando viram que o lençol estava manchado de sangue.
- No três - falou Mario – um, dois, três – e puxou o lençol.
Hans estava lá, morto, com o abdômen aberto, com parte do rosto retalhado e sem os olhos. Os três berraram, mas não conseguiam se mover, um amigo, morto. Havia algumas moscas em sua volta o corpo devia estar ali dês a noite passada, por isso ele não comparecera ao café da manhã.
Sorrateiramente uma freira veio por trás de Mário empunhando uma faca, que sem aviso enterrou em seu peito e foi subindo em direção do pescoço. Camila berrava e não tinha forças para salvar seu noivo e nem para correr, foi puxada pelo braço por Rebeca em direção ao corredor, para descerem as escadas e irem para o pomar de pêssegos albinos.
Tentaram desesperadamente abrir o portão um parrudo cadeado impossibilitava tal feito, algumas freiras começaram a sair do convento em direção ao portão, as garotas correram ao único lugar onde poderiam se esconder, o pomar de pêssegos albinos.
- No se puede ocultar-se... – falou uma freira com um tom de deboche na voz.
Camila e Rebeca estavam escondidas entre os pessegueiros, e as freiras caminhavam devagar na direção delas, estavam apavoradas, tentando se esconder atrás das folhas dos pessegueiros.
- Recogió estás – e uma freira que estava atrás de Rebeca enfiou suas agulhas de crochê nos olhos de Rebeca, no instinto Camila correu sem rumo, e foi atingida por um golpe de panela de ferro, caiu no chão com o nariz sangrando e cuspindo três dentes, logo depois desmaiou.

Camila acordou amarrada a uma cama, seu rosto doía violentamente, em sua volta três freiras cegas, um homem vestido de padre, ele mexia em algumas ferramentas em cima de um balcão.
- Olá – disse o padre em português no mesmo sotaque da madre superiora – que bom que se juntou a nós, estava esperando você acordar para lhe fazer o procedimento, não tem graça com a vítima desmaiada.
- Que procedimento? – perguntou Camila nervosa – Onde está Rebeca?
O padre e riu e respondeu pacientemente.
- Bom... O procedimento é abstrair seus olhos para fazer parte do nosso humilde convento, muita coragem essa a sua, a sua fé comove o coração de Deus. E quanto a sua amiga, como a irmã Lazarus já cuidou do procedimento, então ela já está em fase de aceitação de Deus – fez-se uma pequena pausa – Do nosso Deus.
- Eu não vou me juntar a essa seita imunda da qual você e essas aberrações fazem parte.
- Minha querida – e o padre apareceu na luz sorrindo, pela primeira vez Camila podia vê-lo, tinha uma estatura mediana, era magro e calvo, usava óculos e aparentava ser jovem com cerca de vinte e cinco anos. – Você não tem escolha, depois da remoção de seus olhos, você vai receber o espírito, e sua alma se libertará,dando lugar para espíritos que mereçam viver entre vós. – o padre pegou um pequeno bisturi, puxou um pesado banquinho de madeira e se sentou ao lado de Camila – O inferno está cheio, então trazemos as almas de volta ao mundo, enquanto a sua, vai para o paraíso, estamos fazendo uma troca justa. Infelizmente, os espíritos só aceitam corpos femininos, e temos que tirar os olhos por que a luz da vida que circula entre o mundo dos vivos pode destruí-los, e isso não é bom. Preparada?
E com um movimento rápido o padre rançou o olho direito de Camila e logo depois o enfaixou. Camila urrava de dor, mas nada podia fazer estava presa, se movimentou tanto que sua mão esquerda aliviou o cinto que lhe prendia.
- Em poucas horas – continuou o padre, como se nada houvesse acontecido – esse corpo não pertencerá mais a você, e aposto que estará muito melhor – o padre se ajeitou apara ter acesso ao olho esquerdo de Camila – Te contaram sobre o voto das trevas, realmente não mentiram, mas deviam ter falado nada, o voto das trevas é o ato de possessão de espírito, que expulsa o seu, um ser da trevas que o domina, e caminha livremente pelo mundo. E uma curiosidade, ao matar o corpo – e Camila conseguiu libertar a mão esquerda – A alma volta ao inferno. Preparada?
Mas antes que o padre inserisse o bisturi em seu olho, Camila juntou todas as forças que tinha e deu um soco no rosto do padre que caiu para trás. Rapidamente livrou sua mão direita, uma freira chegou a maca, correndo, mas Camila conseguiu pegar o bisturi que não havia caído e cortou a garganta da freira, logo depois ela livrou seus pés. O padre agarrou sua perna.
- Você não vai sair daqui.
No impulso, com a adrenalina a mil, Camila pegou o banquinho que o padre estivera sentado, arrumou-o com o assento virado para baixo e golpeou o padre dezenas de vezes, que por sua parou de reagir, jazia morto. Ele possuía um molho de chaves que Camila se apoderou.
Golpeou as outras duas freiras com o banco e correu, subindo as escadas em direção ao portão de entrada. Tentou as chaves do molho que estava com o padre, as freiras foram se aproximando, todas, lentamente, Rebeca estava entre elas, vestida de freira e sem os olhos, com uma venda branca tampando para não infeccionar, igual a tinham colocado em seu olho direito.
O portão se abriu.
Ao ouvirem o portão se abrir, a freiras correram desvairadamente. Camila saiu, forçou o portão para se fechar, braços cobertos pelo hábito, cruzavam a fenda do portão em sua procura. Finalmente fechou o portão, trancou por uma fechadura que havia do lado de fora, quebrando a chave lá dentro.
Camila suspirou debruçada no portão.
Ao se virar deu de cara com uma freira, que lhe mordeu o pescoço, rasgando sua jugular, ela a empurrou, mas já era tarde, se sentiu tonta e o sangue jorrava de seu corpo. Caiu rolando morro abaixo entre as folhas seca, parou ao bater em uma árvore, e lá agonizou sangrando até morrer.

No dia seguinte o convento de San Joaquim, estava como todos os outros dias, com as orações e as irmãs cuidando de seus amados pessegueiros de pêssegos albinos. Nas redondezas do convento não havia nem um corpo, nem indícios do que havia acontecido na noite anterior, os segredos do convento estavam guardados sob os pessegueiros.


Aos Starcorpianos

2 comentários:

Luiza Ohana Bravo disse...

VAI TOMAR NO CÚÚÚÚÚÚ...de tão bom q tah isso!!! cada vez vc se supera...daqui a mais uns cinco contos vc jah vai tah escrevendo melhor q o tolkien...porém com menos detalhes, por favor!!! AMEEEEEEEEEEEEI!!! ^^

Ps.: os pêssegoooooos!!! ah, eu nunca pensaria nisso!!! *-*

. disse...

Gostei, Léo :) Só achei que o final chegou de repente demais.
Eu acho que ia gostar mais se você tivesse deixado mais comprido, nem que fosse para dividir em várias partes.