segunda-feira, 9 de maio de 2011

[biografia] - Um velho na Praça

   Um velho na praça observava de um banco o movimento, as pessoas que passavam os animais domésticos, os pássaros, as crianças que brincavam e o transito na rua a poucos metros de onde estava, nada escapava daqueles olhos treinados para perceber qualquer vislumbre de humanidade, aquele homem que passara a vida a escrever os momentos imperceptível da vida cotidiana, estava ali, sozinho e desconhecido por todos, mas nada o fazia parar de admirar a vida que o rodeava. Um cigarro lhe acompanhava de vez em quando, o vício que conhecera na adolescência quando conhecera a rebeldia da juventude. 
   Apesar de em toda a sua vida mostrar o lado bom da humanidade, o lado feliz, ele já não era mais, perderá todos com que se importava, ele que desejava morrer jovem, foi o único que sobrara de sua família, dos amigos... Condenava a todos por terem o abandonado, e agora aos 93 anos esperava a morte vir lhe buscar assim como fizera aos outros. Foi absorvido dos seus pensamentos quando um jovem rapaz sentara-se ao seu lado. 
   - Dia bonito não? – começara o rapaz a puxar um assunto. 
   - Prefiro quando os dias estão nublados, odeio sol – replicou o velho. 
   - Pra quem escreve tanto sobre a vida ser maravilhosa, o senhor me parece meio decepcionado. 
   - Engano seu, eu gosto da vida, não gosto da minha apenas... E não gosto do sol – ele se vira para o garoto – e você quem é? Me admira o fato de um garoto me conhecer. 
   - O senhor é conhecido no mundo literário. Sou estudante do curso de Letras, e estou fazendo meu TCC baseado em sua vida, a relação entre seus livros e sua vida pessoal – disse o garoto abrindo um sorriso ao velho, e observando suas anotações. 
   O velho respondeu ao sorriso do estudante com outro sorriso. 
   - Que saco! Existem livros para que você possa pesquisar essas coisas. E se eu já tivesse morrido? Como você faria? Considere-me morto assim como todas as pessoas que me importava morreram. 
   - Mas senhor não existe nenhuma biografia sua que tenha sido, como posso dizer... Escrita ou supervisionada pelo senhor, me diga então qual delas é a mais verdadeira sobre sua vida? 
   - Não sei, não li nenhuma! Tenho mais o que fazer do que ler minha própria vida escrita por outros. 
   - Mas e se eles estiverem falando mal do senhor? 
   - É um direito deles. Você acha que eu vou me importar com a minha imagem a essa altura da minha vida? Quando eu era jovem eu mesmo a destruía – ele pega o celular disca um número – venha me buscar, não quero andar. 
   - O senhor vai me ignorar aqui? 
   - Uhm... – pensa alguns instantes – é, vou. 
   - Ídolos sempre nos decepcionam! 
   - Existem tantas coisas que nos decepcionam meu caro: casamento, New York, o cachorro quente da lanchonete na esquina de casa, a última maconha que fumei... – foi se levantando lentamente, e com a ajuda de uma bengala foi caminhando em direção a rua, onde seu motorista iria pegá-lo – Mas faz assim, me deixa seu telefone, não é porque hoje não estou com vontade de falar que outro dia estarei assim também. Fui claro? Não pareceu concisa essa frase. Mas você entendeu não é? – apesar de sua avançada idade ele não tinha problemas para caminhar, o garoto entregou-lhe um pedaço de papel com seu telefone. 
   - Por favor, me ligue, vai ser importante para mim. 
   O velho parou e fingiu dormir dando uma sonora roçada. 
   - Ta bom, ta bom, vou ver o que faço – o motorista encostou o carro e foi ajudar o patrão a entrar, o garoto ficou olhando seu ídolo entrar no carro. E antes que partisse o velho gritou - Espero que tenha trazido um guarda-chuva rapaz. 
   O estudante não entendeu, e esperou o carro partir, ao voltar para o banco onde os dois conversavam notou que o escritor esquecera seu bloco de anotações, ele o pegou, folheou algumas páginas, e em seguida algumas gotas começaram a pingar, uma típica chuva de verão mudara o tempo, e todos ali na praça corriam para se esconder da chuva.

Nenhum comentário: