terça-feira, 10 de maio de 2011

[biografia] - Pingado e Sorvete












   O café com leite dançava no copo do estudante que olhava para as anotações, na qual não via nenhum sentido, eram como palavras distorcidas junto com alguns desenhos onde nada fazia sentido, olhava fixamente tentando entender a lógica daquele senhor, mas nada vinha a sua mente para que pudesse continuar a examinar o documento. De súbito levou um susto pelo toque de seu celular, derrubando o leite por toda sua roupa, praguejou até chegar ao telefone e atendeu com uma voz perceptivelmente alterada.
   - Acho que liguei em má hora – disse a voz do outro lado da linha, mas ele não reconheceu.
   - Quem é? – perguntou o estudante limpando com um pano de prato.
   - O velho que você roubou ontem!
   O garoto empalideceu, gelou, ficou sem reação, as palavras não saiam de sua boca, nem para se defender do roubo. De fato ele não roubara, o velho que esquecera suas anotações no banco, apesar disso o velho sabia e riu-se do outro lado da linha.
   - Brincadeira, deixei lá de propósito para você! – não conseguindo abafar a risada, o garoto aos poucos ia se recuperando do choque – Então, conseguiu extrair alguma coisa de minha essência com as minhas anotações? Seja sincero comigo.
   - Sinceramente não – e antes que dissesse, mas alguma coisa o velho cortou.
   - Eu sabia, as anotações vêm conforme as coisas que penso, então teoricamente, as anotações são meus pensamentos. Acho que estou caquético já.
   - Não, de forma alguma, o senhor...
   - Não tente me bajular, eu gosto, mas não o faça. Faz assim, me encontre no Le Maison, sabe o restaurante? Então, lá ao meio dia e meio e conversamos. Agora tenho terminar de escrever meu romance, cambio.
   Antes que o jovem pudesse dizer alguma coisa o velho desligou o telefone, ele se sentiu importante, tinha conseguido com que seu ídolo o ajudasse em seu TCC, um sorriso tomou conta de sua face, esquecera que sua roupava estava impregnada pelo seu café da manhã e esquecerá que estava atrasado para aula, ao notar, agiu como um louco, se trocando rápido e saindo de casa.
   

   Eram dez da manhã, há quase três horas o velho que agora caminhava solene pelas ruas do centro da cidade, havia ligado para um estudante dizendo que aceitara ajudá-lo na sua tese de conclusão de curso. Como sempre, ele observava o movimento, mas ao invés do cigarro acompanhá-lo quem o fazia desta vez era um sorvete de creme, dessa vez não havia anotações, tudo ficava na memória. De súbito parou e ficou encarando o nada durante alguns instantes, os instantes se tornaram minutos, o sorvete derreteu e se espatifou no chão, preocupada um mulher veio ao seu encontro, e tocou-lhe o braço e perguntou:
   - O senhor está bem?
Retornando lentamente do transe respondeu:
   - Não se preocupe, minha cara, foi apenas um devaneio, sempre tive isso. Obrigado, mas agora preciso ir – ele caminhou até um taxi parado ali perto e foi embora. A mulher desconcertada também seguiu o seu caminho.

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