sexta-feira, 27 de maio de 2011

[Biografia] - Brás Cubas


- O senhor está bem? – perguntou o jovem estudante ao ver o velho chegar pálido na sala.
- Estou ótimo – havia um tom de dúvida em sua voz, a ponta de seus dedos cálidos e enrugados tocavam sua boca de forma sutil, sua expressão era de quem estava longe, em um profundo devaneio. De repente, como se toda a realidade tivesse voltado a tona, ele fitou o rapaz e disse – Vamos começar?
O jovem, receoso, voltou a falar:
- Pode começar a falar de sua vida inteira, tudo o que quiser falar por favor o faço, ai depois aplico meus estudos em cima das suas declarações.
- Tudo bem – disse o velho – Mas farei como Brás Cubas, e iniciarei do final. Infelizmente no meu caso tais memórias não serão póstumas, mas como ele não tenho medo de falar. O início é o final ainda não concluído! Eu um velho com seus noventa e tantos anos, fazendo a pesquisa de campo para meu, o que acredito ser, último romance. Romance no qual estive entretido desde a morte de meu parceiro, o romance preenche o vazio dentro de mim depois de sua partida, esse romance é complexo, confuso, apaixonado e bipolar assim como ele era, o romance é a alma dele, a alma que eu conheci e convive por quase sessenta anos – uma pausa, o velho caminhou até a cozinha e voltou com dois copos e uma garrafa d’água, se serviu e tomou um gole de água – Ele morreu a onze anos, ataque cardíaco, ele era a última pessoa que eu amava que restou e ele se foi, ele me prometeu nunca partir, mas mesmo assim ele se foi – o velho continuou detalhando o que acontecera naquela fatídica manhã - Naquela manhã de verão o sol brilhava forte, a temperatura estava um pouco acima do normal para a época, eu acordei antes, como dificilmente acontecia, fiz o café da manhã e fui chamá-lo. Apesar dos anos de convivência o amor e o respeito não tinham se extinguido com o tempo, nossas brigas em geral, eram causadas por ciúmes. Quando preparei a mesa, fui chamar-lo, meu velhinho, mas ele não acordou, sua pele estava fria como mármore, nem aquela manhã quente foi capaz aquecer aquele corpo frio e branco. Porém, eu fui mais frio, e tive que deixá-lo para chamar a alguém para tirá-lo. As lembranças dele ainda estão muito vivas em minha memória e neste apartamento.
O jovem estudante fitava o velho, que agora, calado, olhava para seus pés, a tristeza era clara, mas ele precisava compartilhá-la, sempre gostara de compartilhar seus sentimentos, mas com a perda de seu parceiro guardava tudo aquilo consigo, não havia com quem dividir.
- Aquele velho gaga roubou minha juventude! – disse o velho do sorrindo, mas com os olhos lacrimejados – Olha só pra minha cara e veja como ele me deixou!

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