sexta-feira, 20 de março de 2009

O Amor é para Todos

Quando eu era jovem, e não entendia nada do amor. Não o queria para mim, queria ser uma grande mulher da sociedade fluminense, solteira e muito rica. Mas tudo mudou aos meus dezessete anos em 1941, foi quando conheci Miguel e me apaixonei fervorosamente, meu mundo girava em torno daquele jogador de futebol de vinte anos, seus olhos verdes era como o paraíso, ia ao ginásio só para vê-lo de uniforme, suas pernas e braços fortes... Parecia ser esculpido por Deuses.
Mas o destino não quis nossa união, talvez por saber de meus desejos quando era uma criança. Assim e assim passei toda minha vida, sempre amando e nunca sendo amada.
No ano seguinte Miguel foi convocado para servir o exercito na segunda Grande Guerra, onde falecera poucos meses depois de sua partida. Nem ao menos chegou a saber o meu amor por ele.
Um dia Miguel caiu no esquecimento, depois de muito chorar por sua perda conheci Carlos e isso ocorreu em meados de 1944. Trocávamos olhares, em seguida trocamos cartas, carícias... Foi meu primeiro namorado, tudo era mágico, tudo era perfeito. Até eu descobrir o seu caso que mantinha com minha melhor amiga. Ela sabia e ria de mim pelas costas. Nunca chorei tanto na minha vida. Queria morrer. É demais ter um pouco de amor para si? O amor fazia parte de minha vida agora e precisava dele.
Minha dor era imensa, e precisava daquela sensação do amor de novo, então, tomei uma decisão radical. Não seria mais conhecida pelo meu nome de nascença. Valéria, não existiria mais, queimei todos os meus documentos, peguei algum dinheiro e fui para São Paulo em 1945. Meus pais eram ricos, tínhamos um casarão em Copacabana, papai trabalhava para o governo e mamãe era sua secretária. Era filha única, assim, tinha todas as regalias possíveis.
Uma sensação vingativa tomava conta de mim, fui traída, e isso acabava comigo só de lembrar.
A idéia me veio de súbito, um lugar onde eu sentiria o amor tempo suficiente para não me entregar a ele, seria apenas uma noite, e também seria “a outra” da vida de várias mulheres. Adotei outro nome, a partir daquele dia seria conhecida como Maria Regina. No centro de São Paulo encontrei uma austera casa de luz vermelha, lá fui conversar com madame Berta, que era quem comandava aquele bordel na Rua Augusta. Ela tentou me convencer de não entrar nessa vida, mas suas súplicas em vão e naquela noite foi leiloada minha virgindade. Não me lembro o valor arrecada, só sei que nenhuma nova garota conseguiu superar o meu recorde.
Foram cinco anos na libertinagem, cinco anos sem entregar meu coração e sofrer depois, foram anos de prazer. Até o dia em que conheci Felipe numa noite chuvosa e casa estava vazia, com poucos clientes. Felipe foi o mais sensível, conversou comigo, me chamou para sair no dia seguinte, onde ele me pagou um almoço e depois caminhamos pelo parque do Ibirapuera. Depois de tantos anos, lá estava eu novamente, apaixonada. Na noite seguinte ele não permitiu que eu voltasse à casa de madame Berta, ele me levou em um hotel ao sul da cidade e lá passamos a noite toda sob os lençóis. Finalmente achei que tinha encontrado meu príncipe encantado e que poderia sair da vida prostituição, ele me conheceu lá, e não se importava. Três dias seguidos sem voltar ao bordel. Até o dia em que ele precisaria sair da cidade para resolver alguns problemas fora da cidade, e me pediu para esperá-lo na casa de madame Berta, que quando voltasse me tiraria de lá.
Dois meses e nada de Felipe voltar, tentei não me prostituir mais, só que madame Berta exigiu-me como pagamento em morar em suas dependências, Felipe não ficaria bravo, se eu voltasse, era por pouco tempo, até ele voltar para me buscar. Felipe me engravidou não queria mais transar com um bebê na barriga, madame Berta sugeriu um aborto, as não quis, era o filho do homem da minha vida, ele chegaria em breve, eu sentia isso, e a barriga nem atrapalharia no meu oficio. Antes fazia meu trabalho com todo o amor possível, pois, para se transar precisava-se do mínimo do amor possível, por causa disso era a melhor. Depois do Felipe, fazia tudo mecanicamente. Diziam que estava perdendo o talento, mas eu não me importava.
Certo dia caminhando pela Avenida Paulista, reconheci uma voz, era Felipe conversando com um amigo.
- E sua esposa como anda?
- Bem, muito bem, minha filhinha nasceu esses dias, agora já tenho um casal, Lucas já está com quatro anos. – respondeu Felipe.
Ele tinha esposa e dois filhos, cheguei mais perto para ver se era ele mesmo. E era, estaria eu sendo enganada novamente? E a resposta veio à tona.
- E aquela garota que saiu a um tempo atrás? Era muito bonita. – perguntou seu amigo.
- Cala boca cara, você não viu nada, tinha brigado com minha esposa e fui para um puteiro, e ela era mais gostosa. Comi quatro dias e só paguei por uma noite, a trouxa achou que eu a amava de verdade. Essas putas acreditam em contos de fadas.
Meu mundo caio.
Eu esperava um filho dele, apostei todas as minhas fichas naquele desgraçado, eu voltei a acreditar no amor. O amor não me pertence, eu não posso me dar ao luxo de amar, eu nasci para viver só no mundo.
Mas não ia acabar assim, segui Felipe pela cidade, até chegar a Frei Caneca, onde ele tinha uma casa. A casa em que vivia com sua esposa e filhos. Logo em seguida eu entrei.
- Felipe? – e ele me olhou – Eu sou a puta que você comeu quatro dias e só pagou uma noite, eu estou grávida de um filho seu.
- Você está louca sua vagabunda? Entra na minha casa e me acusa diante de minha mulher e filhos. E eu nem chamo Felipe, meu nome é André, saia imediatamente de minha casa – e ele foi me empurrando para fora, não consegui segurar meu choro, que borrava toda minha maquiagem.
- Você esteve comigo dois meses atrás após brigar com sua mulher – seus olhos se arregalaram de espanto em seguida me empurrou e desci rolando a escada de dez degraus que tinha na entrada de sua casa.
Estava literalmente na sarjeta. O que me animou foi a briga que deu-se na casa mas logo se cessou, eu não tinha forças para me levantar, nem física nem emocional, e partir daí minha vida começou a declinar. Naquela noite abortei o filho de Felipe.
Em 1952, aos meus vinte e oito anos, madame Berta me expulsou de sua casa de tolerância, já não rendia mais como antes e estava deprimindo os clientes comecei a me prostituir pelas ruas de São Paulo, nessa época cheguei a transar até com mulheres e isso me embrulhava o estômago. Foram nove anos nas esquinas, até que não conseguia render mais, estava velha, minhas dívidas aumentava e pessoas vinham atrás de mim para serem pagas. Depois de uma grande surra que me levara ao hospital e que havia perdido dois dentes frontais, resolvi que era hora de partir novamente e mudar a identidade. Não conseguia outros empregos e assim tive continuar na prostituição.
Maria Regina morrera no dia treze de dezembro de 1961. A partir daquele dia eu era Geni.
Meu próximo ponto de eram as estradas brasileiras, a maioria eram ferais, não podia cobrar caro, apenas o suficiente para comer. Foram mais oito anos me prostituindo para caminhoneiros e fugindo dos militares em plena Ditadura Militar, nos últimos anos engordei trinta e dois quilos, e abortei quatro crianças, não vinguei nenhuma. Todas minhas viagens só evitava a voltar ao Rio de Janeiro, cheguei a me prostituir a seis homens em troca de um prato de comida. O que eu fiz da minha vida?
Em 1970 passei mal durante uma transa, e o gentil senhor me levou em um hospital publico e depois foi embora. Outros teriam me jogado na estrada.
Aquela ida ao hospital fizera eu descobrir que vinte quilos do meu peso, era de um tumor no útero, o tumor era um câncer maligno, e eu já estava em fase terminal, sem chances para cura.

Voltei ao Rio de Janeiro no dia dezenove de março de 1970, aos quarenta e seis anos, mas aparentando pelo menos sessenta anos. Queria apenas ver minha família mais uma vez. Nossa casa havia se transformado em um prédio, onde andava meus pais? Encontrei minha amiga de infância, Cátia, ela não me reconheceu, pelo jeito nunca saíra daquela rua e hoje viva com o marido e filhos na casa que era de seus pais. Ela me contou que minha mãe morreu dois nãos depois de eu ter fugido de casa, meu pai morrera alguns meses depois, como não puderam provar que estava viva os bens foram passados ao meu tio que vendera tudo e se mudara para a Europa.
Caminhei por três meses pelas ruas de Copacabana. E morri na areia da praia, com as ondas beijando meu rosto. Naquele momento vi que havia um pouco de amor para mim.

Um comentário:

Luiza Ohana Bravo disse...

Amei!!!! adoro historias lindamente trágicas!!! \o/ perfeitoooooooo!!!