sábado, 7 de março de 2009

As freiras cegas de Cali - Parte II

O sol ainda não havia nascido quando o trem cargueiro passou pela cidade de Cali, na Colômbia. O trem abria caminho na escuridão em que a cidade se encontrava, e no último vagão transportava clandestinos. Tratava-se de aventureiros brasileiros, que trilhavam seus caminhos conforme o que lhes viessem na cabeça.
Haviam partido do porto de Buenaventura, mas antes estiverem em quase todos os países da América Latina, fazendo um tour pelo continente.
- Vamos saltar logo em frente – falou uma garota magra, de cabelos negros, lisos e longos, seus olhos eram verdes e de boca pequena, seu nome era Alice.



Todos se preparam pegando seus pertences, uma garota negra que cochilava, foi acordada por seu amigo, um garoto de média estatura, cabelo curto e bem enrolado e ligeiramente acima do peso.
- Acorda Charlene, já vamos descer – falou Matheus, o garoto que a acordara.
- Mas ainda ta longe da próxima estação – retrucou Charlene, com voz de sono e ligeiramente de mau humor.
- Eu sei... Mas vamos pular.
- De novo não, dá última vez eu desci rolando um penhasco até um lamaçal.
- Será que daremos sorte dessa vez de novo então? – falou um garoto alto, loiro de cabelo raspado e óculos de aros grossos pretos – Foi engraçado.
Uma garota corpo escultural, cabelos negros e de óculos abafou uma risadinha, seu nome era Luana.
- Vai com calma Samuel, o dia nem nasceu e você já está destilando veneno – alertou Matheus.
Ao passarem por um terreno gramado todos pularam, um de cada vez. E o trem continuou sua jornada. Caminharam até chegarem mais ao centro da cidade, para se reabastecerem de comida, água e remédios, já estavam a algum tempo se divertindo por trilhas na América do Sul. Terminaram a faculdade e durante o período de estudo trabalharam e juntaram dinheiro para essa viagem, estavam fora a seis meses, e ainda lhes restavam dinheiro para mais uns dois meses, onde voltariam a suas vidas normais.
- Para onde vamos depois? - perguntou Luana
- Vamos subir a Cordilheira Central dos Andes, é um caminho bem light, onde tem uma vila e várias construções renascentistas, vai ser divertido – respondeu Alice.
- E como sabe disso tudo? – perguntou Charlene
- Google. Chequei meus e-mails em Buenaventura, e aproveitei para ver o que tinha de bom em Cali.
- Achei que definiríamos o roteiro juntos – sibilou Matheus
- Ai gente desculpa, desculpa mesmo, é que achei que iriam gostar – falou Alice arrependida.
- Quem disse que a gente não gostou? – perguntou Matheus para Alice sorrindo
E todos concordaram em seguir para a Cordilheira, o que eles não sabiam era que Alice tinha um segredo, sua prima Camila, havia desaparecido naquela região há um mês atrás e foi investigar o que havia acontecido.
- Você vai deixar isso na cintura em plena cidade? – perguntou Luana para Samuel, que carregava uma arma no cós de seu jeans. – Coloca na mochila antes que a polícia nos pare e vamos presos.
Samuel comprara a arma para a viagem, a maioria das vezes que a usara era para diversão apenas, usara poucas vezes para própria defesa, na floresta amazônica usou para se defender de um lobo, mas sempre que empunhava a arma, ele se sentia último a dar a palavra.
O sol brilhava no céu de Cali, já eram dez horas da manhã e o grupo de aventureiros se deslocava até o seu destino, a encosta da Cordilheira Central dos Andes, onde fariam mais uma de suas aventuras. Haviam passado um grande sufoco no primeiro mês de viagem na floresta amazônica, mas decidiram deixar isso de lado, não era contratempo que iria acabar com toda a diversão.


Já estavam a mais de duas horas passando pelas trilhas da Cordilheira, estavam indo devagar e estavam cercados pela mata todo o tempo. As trilhas eram grandes, onde carros podiam circular facilmente. O céu começara a escurecer, uma tempestade estava à caminho, e o grupo estava longe da cidade, a última vila que virão estava quarenta e cinco minutos atrás deles.
- Vamos voltar, a tempestade vai ser forte, tem uma vila pode chegar lá – falou Luana
- Não, esperem, tem alguma coisa ali, uma construção renascentista – falou Matheus apontando para uma mancha cinza a meio a vegetação – vamos para lá!
O céu começou a desabar sobre eles, uma chuva fria com ventos uivantes faziam a floresta ficar macabra. Estava tão escuro como se fosse noite, e a pequena trilha que os levavam a construção tinha uma correnteza de lama, ao chegarem o portão estava fechado, mas ao empurrarem ele abriu.
Não se via um palmo à frente do nariz, e na direção da edificação viam-se luzes, então alguém morava lá. Ao se abrigarem na área coberta da construção uma freira trouxe várias toalhas secas e brancas para se secarem, todos ficaram assustados com o que viam, a freira não tinha olhos. A freira era muito magra e seu rosto tinha um traço oriental.
- Se sequem – falou em português – Antes que adoeçam, eu sou a irmã Rebeca, sintam-se a vontade por favor.
O lugar em que estavam era um convento onde todas as freiras eram cegas. Aos poucos todas elas foram aparecendo para saudar seus mais novos visitantes. Da ultima vez que visitantes estiveram ali, foi há um mês, uma equipe de televisão. Foram todos acolhidos para dentro do convento onde tomaram uma sopa quente para se esquentarem e de sobremesa algo que nunca haviam visto, pêssegos albinos.
- Bom meus caros, creio que vão dormir entre nós está noite, meu nome é irmã Joanna – disse uma freira que se sentava a ponta da mesa, a única que usava óculos de sol, notava-se um ligeiro sotaque espanhol – é que temos algumas regras. Rapazes e moças terão que dormir em quartos separados, os rapazes lá no porão e as moças junto das outras irmãs. Depois das nove todos dormindo, acordamos às cinco e meia da manhã, portanto, quero que se adéqüem a isso.
- Sem problemas, nós seguiremos suas regras irmã, amanhã cedo partiremos. – argumentou Matheus com a irmã – mas se a chuva parar logo vamos embora hoje mesmo, não precisam se preocupar.
- Não seja tolo, a tempestade vai demorar a passar e mesmo que passe o caminho ficará intransitável, fiquem conosco até amanhã cedo, não irão se arrepender.
Os trovões caiam aos montes naquele região iluminando os corredores do convento de tempo em tempo. Ao fim do jantar todos resolveram passar a noite, afinal o que freiras cegas poderiam fazer contra eles?
Todos, inclusive as freiras, descansavam em um salão muito aconchegante rodeados de poltronas.
- Por que será que são todas cegas? – perguntou Alice à Matheus com quem estava dividindo um sofá, em um quase sussurro.
- Acho que a igreja manda todas as freiras cegas para cá, ou devem ter feito algum tipo de promessa.
- Mas não é estranho que não haja ninguém enxergando tomando conta delas?
- Realmente, bom... talvez seja algum tipo de penitência.
- Talvez – fez-se uma longa pausa,e então Alice voltou a falar – Eu menti, vim pra cá porque uma prima minha, repórter, sumiu fazendo uma reportagem aqui neste convento, a polícia chegou até vir aqui, mas não encontraram nada, acho que os traficantes da cidade, que usam esse bosque de esconderijo devem ter raptado ela.
- Por que não avisou ninguém desse seu plano? – perguntou Matheus mantendo a voz baixa – Poderíamos ter nos preparado para encontrar algum tipo de pista. Mas e se forem os traficantes? Vamos pedir para eles nos seqüestrarem também? – estava ligeiramente irritado, e o salão era iluminado por poucas velas, mantendo em um grande escuridão, as freiras eram cegas e não tinham noção de quantas velas eram necessárias, havia uma para cada convidado.
- Não contei para não ficarem bravos comigo, e quanto a minha prima, só quero saber se está viva ou morta, é difícil ficar na dúvida, na angustia e esperar por algo que não vai vir.
A conversa não se prolongou mais, e pouco tempo depois todos se recolheram aos seus aposentos, e logo dormiram. Charlene custou a dormir, não conseguia esquecer o sabor daquela fruta que provara no jantar, eram os pêssegos mais doces que comera em toda a vida, depois de algum tempo em sua cama, com lençóis limpos e cheirosos ela se levantou, acendeu sua vela com o isqueiro, e desceu até a cozinha, queria mais um pêssego.

A tempestade foi a mais violenta nos últimos vinte e nove anos na região, parecia que os relâmpagos cortavam o céu mais do que a chuva, iluminando várias vezes o convento, não deixando os visitantes dormir. Na manhã seguinte o dia amanhecia quando o grupo se levantou carregando sua bagagem para baixo onde tomariam o café da manhã e partiriam, o céu estava cinza, deixando tudo muito sombrio. Ao chegarem no refeitório, estava vazio, nem uma irmã estava lá.
- Gente cadê a Charlene? Deve ta dormindo, Luana chama ela lá, por favor? – pediu Matheus à Luana
- Claro, Lice você vem comigo? – e as duas garotas subiram aos aposentos das freiras.
Matheus e Samuel esperaram cinco minutos até as garotas voltarem.
- Ela não está aqui – avisou Alice do alto da escada.
- Eu vou procurá-la no porão já volto. – disse Samuel, e Matheus foi verificar se as irmãs estavam lá fora, junto dos pessegueiros.
Samuel desceu as escadas, o porão era escuro e úmido, mas dava-se para enxergar bem. A sua frente abriu-se uma porta onde sorrateiramente saiu Charlene, a bela garota negra que os acompanhava estava vestida com um hábito, e nos olhos uma venda branca.
- Que isso resolveu virar Whoopy Goldberg? Só por favor, não cante. – falou Samuel para a amiga que parecia não prestar atenção.
Conforme Charlene caminhava em sua direção mais freiras começavam a sair daquela sala, todas cegas. Samuel sentiu algo estranho apalpou sua cintura à procura de sua arma, mas tinha colocado na mochila a pedido de Alice, estava andando devagar para trás e sentia que estava suando frio. Ao se virar de costas paras as freiras para correr, Charlene pulou em suas costas derrubando-o, que caiu batendo a cabeça no primeiro degrau da escada e quebrando o pescoço. Não teve tempo nem de gritar.

Um leve nevoeiro cobria a paisagem da cordilheira naquela manhã, Matheus caminhava no extenso terreno que havia a frente do convento, e então percebeu que vários corvos estavam pousados sobre os pessegueiros, um cheiro horrível foi sentido, em seguida notara que urubus caminhavam nas raízes das árvores, ao se aproximar mais viu algo que lhe checou, levou a mão ao rosto e gritou desesperadamente:
- Lice, Lu, Samu, venham aqui rápido, corram é urgente. – não conseguia controlar o pânico à sua frente estava a cabeça de uma mulher, de cabelos negros, que pareciam vir até os ombros, ela estava sem os olhos.
Alice e Luana chegaram correndo.
- Não encontramos a Charlene - disse Alice
A voz de Matheus não saiu, ele apenas apontou ao eu havia encontrado. Por alguns segundos todos ficaram parados atônitos no que viam, em seguida Alice caiu de joelhos e começou a chorar.
- O que foi Lice? – perguntou Luana
- É a minha prima, repórter, eu quis vir para essa região para ver se a encontrava. – disse soluçando, não conseguia controlar suas lágrimas.
- Vamos temos que sair aqui – disse Matheus puxando Alice pelo braço em direção ao portão. Tentaram de todas as formas abri-lo mas estava trancado. – Lu, vai procurar o Samu, eu e a Lice vamos procurar a chave dessa merda.
- Ta bom
- E tome cuidado.
Luana entrou correndo em direção ao convento, Matheus puxava Alice que estava em choque, ao passarem pelas mochilas que estavam juntas perto da porta de entrada, Alice se livrou do braço de Matheus e começou a mexer na mochila de Samuel, da onde tirou o resolver e guardou no cós de seu jeans.
- Essa gente é perigosa, melhor estarmos preparados. – falou Alice tomando frente ao subir as escadas, estavam se dirigindo à sala da madre superiora, onde provavelmente a chave estaria guardada.


Luana desceu ao porão escuro, não havia nada por lá, e ela chamava por Samuel sussurrando por medo de que alguma freira a ouvisse e a capturasse. Ao olhar de relance para escada notou uma mancha de sangue, e foi se aproximando para averiguar, o sangue era fresco.
Por trás de Luana surgia uma figura que estava escondida nas sombras, uma pessoa que já havia passado por aquele pesadelo anteriormente, pelo menos o corpo passara por tal aprovação. A ex-responsável pela sonoplastia da equipe de televisão, agora conhecida como irmã Rebeca, parecia fitar Luana analisar o sangue da escada, e em sua mão havia um pano umidificado em clorofórmio, Luana se levantou e foi surpreendida pela irmã Rebeca, depois de poucos segundos ela estava inconsciente.

Alice e Matheus abriram a porta da sala da madre superiora bem devagar, fazendo com que a porta sem trinco rangesse muito.
- Acho que já descobriram nosso maior segredo não? – falou irmã Joana que estava sentada em uma cadeira de escritório de costas para a porta de entrada, ela se virou e encarou-os com seus óculos de sol redondos – Eu sou uma sacerdotisa – e tirou os óculos, ela tinha lindos olhos azuis que lembravam o oceano – O inferno é aqui, então estamos providenciando para que fique igualzinho, importamos demônios condenados, e o deixamos em corpos femininos que são os únicos dos quais eles se adaptam.
Alice apontou a arma para a madre e falou:
- Me dê a chave do portão se não seu cérebro vai cobrir esse lindo escritório – e destravou a arma.
- Você não pode matar todas nós – Irmã Joana riu – A vida pode matar os demônios, curioso não? Enquanto houver um ser vivo aqui não poderemos caminhar livremente pelo planeta, precisaremos de corpos femininos para fazer isso.
- Me dê a chave! Não estou brincando.
Uma freira chegava devagar por trás de Alice e Matheus, não fazia o menor barulho, atrás dela vinham mais três freiras igualmente silenciosas.
- A alma delas enxergam!
Ao terminar a frase uma freira pulou em cima de Alice e outra em cima Matheus, as outras chegaram e ajudaram a segurar eles contra o chão.
- Vamos! Levem a garota ao templo. Irmã Alberta e irmã Anita, acabem com este daí - pegou a arma de Alice que estava no chão e a levou consigo, enquanto as outras duas freiras arrastavam Alice até o porão.

Matheus estava preso entre duas freiras, irmã Alberta pegou uma faca e ergueu até acima da cabeça, a freira que o prendia estava de quatro segurando seus braços com as mãos, e suas pernas estavam sobre as de Matheus, no instinto Matheus deu uma cabeçada no nariz da irmã que quebrou, enquanto a facada que iria receber se enterrava no piso de pedra da sala da madre superiora.
Houve uma briga pela faca, enquanto a irmã Anita tentava conter a hemorragia do nariz, a briga terminou com Matheus fincando a faca no crânio da irmã Alberta, quando conseguiu se levantar Alberta vinha sua direção, ele a empurrou até o grande vitral da sala, a freira atravessou o vidro e caiu três andares abaixo.
Matheus se armou com a faca que estava na cabeça da freira, e desceu até o porão, todo o caminho estava deserto, e ao chegar ao porão apenas uma porta lançava uma luz por baixo, na mesma sala ouvia-se um canto em uma língua estrangeira. Matheus abriu a porta num baque.
Na sala todas as freiras formavam um circulo eu volta de um tacho gigante, onde havia brasas, ao chão estava Alice, sem os olhos. Entre as freiras haviam duas figuras conhecidas: Luana e Charlene, ambas já haviam sido convertidas e já faziam parte da cerimônia de conversão de Alice.
- Peguem-no – ordenou a madre superiora.
As freiras vinham lentamente em direção a Matheus, ele podia correr, mas precisava da chave do portão e salvar sua amiga, conseguia ver a arma na lapela da madre superiora. Em um movimento rápido, Matheus correu entre as freiras, esquivando-se de todas, armado com a faca, ele se jogou em cima da irmã Joana, que sucumbiu o peso de Matheus sobre ao tacho de brasas que tombou, começou um incêndio pelas austeras cortinas que havia no salão e que se repetia por todo o convento. Antes que a freira pudesse pegar a arma, Matheus encravou a faca em seu peito, ali jazia madre superiora, o garoto pegou a arma e as chaves que a freira guardava.
Armado, Matheus atirou nas diversas freiras que chegavam perto, pegou Alice no colo e correu para a saída, ao subir as escadas para o andar principal, Matheus fechou a única porta que levava ao porão, as freiras tentavam abrir e puxavam com muita força, mas a sorte ajudou-o, encontrou a chave e trancou-as lá dentro.
Alice acordou e logo depois veio o seu grito de pavor.
- Estou cega, socorro.
- Eu estou aqui, calma nós vamos sair desse inferno – acalmou-a
Juntos caminharam até o portão, que se abriu, e os dois caminharam entre as trilhas estritas e íngremes que levavam do convento até a trilha principal.
Ao chegarem na trilha principal depois de muito andarem, Matheus constatou que todo o convento estava em chamas agora, e que nenhuma freira poderia mais atormentá-los.
No dia seguinte, a polícia foi verificar o que havia acontecido, encontraram trinta e seis freiras carbonizadas no porão, e mais alguns corpos espalhados pelo convento. No pomar das freiras onde não havia sobrado nenhuma muda dos pessegueiros albinos foram encontrados centenas de corpos, alguns com mais de vinte anos enterrados. Alice estava internada, seus pais estavam a caminho para a levarem de volta, e Matheus ficou o tempo todo ao seu lado.
- Má, você ta ai? – perguntou Alice com a voz fraca
- Estou sempre do seu lado
- E agora? O que vai ser de mim? Não tenho mais razão de viver a visão era tudo, me formei em fotografia, o que vou fazer – ela queria chorar, mas não podia, não tinha mais as glândulas lacrimais.
- Calma, nós voltaremos para casa e tudo vai ficar bem, eu te prometo.

Para Allan, Jéssica, Luana, Samuel, Shirley

3 comentários:

Allan Vieira disse...

Chorei!!!!

Ficou lindOOOO

Parabéns Léo

Luiza Ohana Bravo disse...

Ah, Léo, q lindoooooooo!!!
adoreiiiii
minha irma abriu a porta qnd os dois tavam fugindo do convento...eu dei um pulo!!! vc me paga essa!!!! ¬¬

e vai tomar no cu de novo!!!!
tah mto foda msm!!!

Bjaum ;)

. disse...

Você já sabe o que eu acho. "cala-te a boca, Leonardo!" HAUHUAUAHUHAUHAUHUAUH :)