sexta-feira, 25 de março de 2011

Periplaneta americana


A vida universitária de Caio não era o que ele esperava, sua faculdade em outro estado ficava longe de casa, e sua nova morada, um pequeno kit net no subúrbio da cidade, num prédio velho onde se freqüentava os mais variados tipos de pessoas, jogadores, prostitutas, drogados. A escória da cidade residia em toda aquela região.
Devido sua origem humilde e a um anuncio de moradia mentiroso, teve que ficar por lá mesmo, cárcere de um contrato de um ano, no qual não podia pagar a multa para deixar o local e continuar seu curso.
De fato ele não estava feliz, a faculdade consumia suas forças, andava sempre cansado e para ajudar estava com insônia a mais de duas semanas. Estava cansado, sua forma raquítica e suas profundas olheiras lhe davam a aparência de carcaça, de que um dia pertenceu a um ser humano.
Ao chegar tarde da noite em casa, jogava todas as suas coisas para o lado, visto que arrumar a casa não adiantaria muito vivendo a meio daquele ambiente pútrido, se deitava esperando que essa noite pudesse dormir. De fato o sono veio, mas antes que pudesse adormecer, sentiu que alguém acariciava seu rosto, mas ao abrir os olhos viu que era uma grande barata. Um grito ecoou pelo kitnet, seguido de um pulo.
- Eu odeio este lugar, eu quero ir embora daqui – esbravejou.
Correu ao banheiro abriu a torneira da pia e esperou até que a água negra parasse de cair e lavou seu rosto abundantemente como se a barata tivesse impregnado em sua pele. O resto da noite passou em claro, lendo seus livros e estudando.

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No dia seguinte, durante suas aulas, tinha impressão que a barata passava em seu rosto a todo o instante,além do sono e as aulas que exigiam toda sua atenção agora havia o pavor da presença do inseto.
Ao fim do dia, sua aula não rendeu, seu dia não rendeu e ele notava que sua vida estava ruindo desde que saiu de casa. Chegando em casa se deparou novamente com a barata que estava sob a pia da cozinha, que ficava praticamente ao lado de sua cama, sem pensar, não lembrando de seu medo, de seu nojo do inseto lhe deu um tapa com toda a força que podia, fazendo até que ressoasse um estalo ao matar a barata. Na pia sobrou apenas um corpo marrom esmagado da barata e em suas mãos a entranha branca característica deste tipo de inseto e uma pata. Novamente veio o nojo, e lá foi ele novamente para a pia do banheiro lavar mão. Pelo menos agora, tinha um problema a menos para se preocupar.
À noite, depois de terminar um relatório, deitou em sua cama e como não fazia há tempos, dormiu.
Ao acordar no dia seguinte estava descansado, com as energias repostas, há tempos não se sentia assim, era como se fosse uma nova pessoa. Na faculdade houve um rendimento considerável em relação aos dias anteriores e isso se estendeu por vários dias, pela primeira vez, desde que pisara naquela faculdade ele era notado e até sua moradia se tornou um lugar mais aconchegante.

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Depois de algumas semanas viu que não era apenas sua vida social e universitária que havia mudado, ele se sentia estranho. Numa noite antes de dormir notou algo sua mão direita tinha uma ferida já seca, uma casquinha marrom, ele a retirou com a unha que saiu facilmente, não se importou, para ele era apenas sujeira e dormiu. Ao acordar no dia seguinte notou que sua mão continha novamente a casquinha marrom, mas dessa vez maior, ele a retirou novamente, e saiu para a faculdade.
Com o passar do tempo notou que a casca marrom sempre aparecia em sua mão e cada vez maior, estava também vendo mais baratas pelo seu caminho do que o normal, era como que ao matar aquela barata em seu apartamento tivesse mudado em sua vida, de fato mudou, mas não sabia o que. Algo o preocupava, em seu âmago, tinha um pressentimento ruim, mas não sabia explicar e não sabia o que fazer.
Certo dia ao acordar em seu kit net, que estava cada vez mais pútrido devido ao seu próprio comportamento, se viu cercado de baratas, ele ficou estático, com medo e ao olhar para seu braço direito viu que estava todo coberto por aquela estranha casca marrom, tirou a camiseta e notou que ela tomava conta de seu peito. Alguém começou a bater na porta fortemente, se cobriu com uma tolha e foi atender, um homem magro de abatido estava ali em pé, respirando fundo.
- Tem pó? - foi a única coisa que disse. Num momento repentino e impensado de desespero, puxou o homem para dentro de apartamento e o jogou no chão fazendo assim com que todas baratas espalhadas sobre o apartamento atacassem o homem, que num urro seco e abafado perdeu sua vida.
O medo tomou conta dele que fugiu correndo de casa sem rumo pelos corredores do condomínio, os vizinhos olhavam espantados para o garoto que tinha um braço de barata, na rua foi abordado por policiais.
“Alguém os chamou, alguém deve te ouvido os gritos” pensou.
Com armas apontadas a sua cabeça foi declarada a voz de prisão, ao algemá-lo os policiais pareceram nem se importar com seu braço-barata, ele foi levado de volta ao seu apartamento para que pudessem comprovar o crime cometido por Caio, e chegando lá estava um corpo jogado com uma chave de fenda fincada no peito.
- Eu não fiz isso! – tentou argumentar – Foram as baratas – mesmo sabendo que era impossível as baratas terem fincado a chave no peito do homem queria provar sua inocência, mas será que era mesmo inocente? Sua sanidade estava em xeque, ele tinha dúvidas se aquilo era real, sonho ou alucinação.
- Você foi preso em flagrante, acusado de homicídio doloso... – diziam os policiais, mas ele desistiu, não queria mais ouvir, apenas baixou a cabeça e se deparou com seu braço direito que estava normal. Agora era fato tinha perdido a lucidez depois de algum tempo convivendo num lugar podre em que não estava acostumado, ele se rendeu a sua insignificância, sabia que cometera o crime e nem prestou atenção no resto do discurso policial.
Ao chegar à delegacia foi colocado sozinho numa sala antes que fosse transferido para uma cela.Ficou lá sozinho, com medo, pensava no que havia acontecido e não acreditava, mirou para um pequeno espelho que havia sala, e no lugar de seu rosto viu uma grande barata, ao olhar para seus braços viu que eram grandes patas, assim como suas pernas . Se desesperou e gritou.
- O que está acontecendo aqui? – disse um policial corpulento e careca que entrou na sala, pisou em algo chamou sua atenção – Droga! Que barata enorme – disse olhando para a sola de seu coturno a barata esmagada. Notou, porém, que não havia ninguém na sala, rapidamente pegou seu rádio e anunciou:
- O suspeito fugiu!

Para o Apolônio

Um comentário:

Anônimo disse...

Sinto uma enorme semelhança com a Transformação de Kafka....digo até que é uma releitura.