terça-feira, 7 de junho de 2011

[biografia] - Frenesi


Lá fora uma fina chuva caia sobre a cidade, o tempo que estava limpo e com o sol brilhando tinha mudado drasticamente, o céu estava cinza e a garoa aos poucos ia mudando os rumos da cidade, do alto do prédio o velho via as pessoas correndo da chuva e o transito parando lentamente. 
- Quando tinha uns... oitenta anos até os meus setenta não houveram grandes acontecimentos em minha vida, era algumas viagens e alguns um romance, um fracasso total. 
- E isso se deveu a morte de seu filho? 
Um silencio sepulcral tomou conta do recinto, o jovem temia ter dito algo que não devia, poderia ter estragado todo seu trabalho, mas resolveu ficar quieto, esperava receber o xingo do velho e ser expulso de sua casa, mas ele não falaria nada, não por enquanto. Ele ouvia a chuva ficar mais forte lá fora, buzinas eram ouvidas com mais freqüência. 
- Sim, acho que foi – respondeu o velho, o entrevistador ficou aliviado, mas mesmo assim achava que tinha acabado sua pesquisa. – A pior coisa que pode acontecer com qualquer pessoa é perder um filho, eu o amava, mas aquela maldita doença o tirou de mim, e o melhor que aconteceu foi ele ter partido. Meu neto e minha nora vivem bem e felizes na Italia hoje, eles me ligam, mas estão distante de mim, seja em fisicamente ou seja emocionalmente. Mas eu não os culpo, também era distante de meus avós. 
- Eu sinto muito. 
- Não sinta! A velhice só serve pra você se sentir incapaz e ver seus entes queridos morrerem, quanto mais se vive, mais as pessoas próximas vão morrendo. 
- Ai como você é dramático, sempre foi! – a voz só o velho escutou, reconhecia aquela voz, escutara ela a pouco tempo atrás, era seu parceiro. 
O velho olhou em volta mas nada viu, o garoto que o entrevistava, achou o comportamento do escritor estranho. 
- Você está bem? - repetiu o estudante. 
- Com licença um minuto. 
O velho caminhou de volta para o escritório o mais rápido que pode, a idade não contribuía para sua velocidade. Nada havia no escritório. Então foi ao seu quarto, e lá viu seu parceiro novamente, mas dessa vez não estava só, estava acompanhado de uma criança. O filho deles. 
- Oi papai – disse a criança. Seu filho morrera com quase cinqüenta anos, mas aquela era a imagem que sempre guardara de seu filho, um garotinho de dez anos. 
- Oi amor – respondeu seu parceiro que tinha a aparência de cerca de vinte anos. 
- O que é isso não estou entendo. 
Da sala o estudante ouviu o velho falando sozinho, e lentamente foi se esgueirando para ver o que ele fazia, com quem ele falava. 
- Bom, o que acontece, é o seguinte – começou a dizer seu parceiro – ao terminar essa entrevista você vai morrer, e se juntar a nós. 
- Finalmente! Vou terminara entrevista agora e expulsar aquele moleque da minha casa. 
O jovem escutou nitidamente o que o velho disse, ele se sentiu ameaçado, traído, então, silenciosamente ele deixou casa, com o velho falando sozinho no quarto. 
- Não é assim que funciona – continuou o espectro de seu parceiro. 
- Você tem que contar tudo, sua história, nossa história precisa ser reconhecida por todos – continuou seu filho – Tenha paciência e termine a sua biografia, todos precisam saber da sua vida, ela será um guia para muitas pessoas. 
O velho olhou para porta, como se olhasse para o estudante que o entrevistava, e quando voltou os olhos para a cama, onde seus parentes estavam sentados, nada viu. Uma breve pausa para respirar, e então caminhou até a sala para continuar a entrevista, mas o estudante não estava mais lá.

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