Um velho na praça observava de um banco o movimento, as pessoas que passavam os animais domésticos, os pássaros, as crianças que brincavam e o transito na rua a poucos metros de onde estava, nada escapava daqueles olhos treinados para perceber qualquer vislumbre de humanidade, aquele homem que passara a vida a escrever os momentos imperceptível da vida cotidiana, estava ali, sozinho e desconhecido por todos, mas nada o fazia parar de admirar a vida que o rodeava. Um cigarro lhe acompanhava de vez em quando, o vício que conhecera na adolescência quando conhecera a rebeldia da juventude.
Apesar de em toda a sua vida mostrar o lado bom da humanidade, o lado feliz, ele já não era mais, perderá todos com que se importava, ele que desejava morrer jovem, foi o único que sobrara de sua família, dos amigos... Condenava a todos por terem o abandonado, e agora aos 93 anos esperava a morte vir lhe buscar assim como fizera aos outros. Foi absorvido dos seus pensamentos quando um jovem rapaz sentara-se ao seu lado.
- Dia bonito não? – começara o rapaz a puxar um assunto.
- Prefiro quando os dias estão nublados, odeio sol – replicou o velho.
- Pra quem escreve tanto sobre a vida ser maravilhosa, o senhor me parece meio decepcionado.
- Engano seu, eu gosto da vida, não gosto da minha apenas... E não gosto do sol – ele se vira para o garoto – e você quem é? Me admira o fato de um garoto me conhecer.
- O senhor é conhecido no mundo literário. Sou estudante do curso de Letras, e estou fazendo meu TCC baseado em sua vida, a relação entre seus livros e sua vida pessoal – disse o garoto abrindo um sorriso ao velho, e observando suas anotações.
O velho respondeu ao sorriso do estudante com outro sorriso.
- Que saco! Existem livros para que você possa pesquisar essas coisas. E se eu já tivesse morrido? Como você faria? Considere-me morto assim como todas as pessoas que me importava morreram.
- Mas senhor não existe nenhuma biografia sua que tenha sido, como posso dizer... Escrita ou supervisionada pelo senhor, me diga então qual delas é a mais verdadeira sobre sua vida?
- Não sei, não li nenhuma! Tenho mais o que fazer do que ler minha própria vida escrita por outros.
- Mas e se eles estiverem falando mal do senhor?
- É um direito deles. Você acha que eu vou me importar com a minha imagem a essa altura da minha vida? Quando eu era jovem eu mesmo a destruía – ele pega o celular disca um número – venha me buscar, não quero andar.
- O senhor vai me ignorar aqui?
- Uhm... – pensa alguns instantes – é, vou.
- Ídolos sempre nos decepcionam!
- Existem tantas coisas que nos decepcionam meu caro: casamento, New York, o cachorro quente da lanchonete na esquina de casa, a última maconha que fumei... – foi se levantando lentamente, e com a ajuda de uma bengala foi caminhando em direção a rua, onde seu motorista iria pegá-lo – Mas faz assim, me deixa seu telefone, não é porque hoje não estou com vontade de falar que outro dia estarei assim também. Fui claro? Não pareceu concisa essa frase. Mas você entendeu não é? – apesar de sua avançada idade ele não tinha problemas para caminhar, o garoto entregou-lhe um pedaço de papel com seu telefone.
- Por favor, me ligue, vai ser importante para mim.
O velho parou e fingiu dormir dando uma sonora roçada.
- Ta bom, ta bom, vou ver o que faço – o motorista encostou o carro e foi ajudar o patrão a entrar, o garoto ficou olhando seu ídolo entrar no carro. E antes que partisse o velho gritou - Espero que tenha trazido um guarda-chuva rapaz.
O estudante não entendeu, e esperou o carro partir, ao voltar para o banco onde os dois conversavam notou que o escritor esquecera seu bloco de anotações, ele o pegou, folheou algumas páginas, e em seguida algumas gotas começaram a pingar, uma típica chuva de verão mudara o tempo, e todos ali na praça corriam para se esconder da chuva.
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